O Brasil não precisa de mais deputados; precisa de mais vergonha na cara
Foto: Dida Sampaio/Estadão
Por André Luis – Jornalista do blog
O Congresso Nacional, cada vez mais alheio às reais necessidades do povo brasileiro, ensaia nesta semana mais um capítulo de descolamento completo da realidade: a possível aprovação do Projeto de Lei Complementar 177/2023, que amplia de 513 para 531 o número de deputados federais. Isso mesmo — em plena crise fiscal, com milhões de brasileiros enfrentando dificuldades para pagar o básico, o Legislativo quer aumentar a própria estrutura. É o retrato fiel do pior Congresso da história republicana.
A justificativa apresentada beira o cinismo: o crescimento populacional de alguns estados exigiria um “ajuste proporcional” das cadeiras. Mas, ao invés de corrigir distorções com responsabilidade — redistribuindo as vagas já existentes — a escolha foi por inflar a máquina pública. Nenhum estado perderá representantes; ao contrário, nove ganharão. Traduzindo: mais deputados, mais assessores, mais verba de gabinete, mais auxílio, mais aposentadoria especial. Mais custo para o povo.
Tudo isso sob a desculpa de que a Constituição impõe critérios proporcionais de representação. Mas a própria Carta também estabelece um mínimo e um máximo de cadeiras por estado. O problema não está na Constituição — está na má-fé de quem legisla em benefício próprio.
Enquanto isso, o Brasil real agoniza. A saúde pública está sucateada. A educação básica é um desafio diário para professores e estudantes. O saneamento básico ainda não chegou para milhões de brasileiros. A fome ainda é realidade para muitas famílias. Mas a prioridade do Congresso é garantir mais cadeiras para a próxima legislatura — em vez de diminuir custos, aumentar eficiência ou, ao menos, respeitar a inteligência do eleitor.
Os deputados articulam nos bastidores para aprovar o projeto em regime de urgência antes do prazo final imposto pelo STF, que determinou a revisão da proporcionalidade com base no último Censo. O STF, aliás, apenas cumpriu seu papel. Quem não cumpre o seu é o Legislativo, que distorce a decisão para ampliar privilégios.
O Brasil não precisa de mais deputados. Precisa de deputados melhores — e, preferencialmente, menos. Precisa de parlamentares conectados com a vida das pessoas, e não com os próprios gabinetes refrigerados. Este Congresso, infelizmente, é o mais fisiológico, improdutivo e desconectado dos últimos tempos. Trabalha por emendas, cargos e influência — não pelo bem comum.
O povo brasileiro já entendeu isso. Falta agora a classe política entender que sua crise não é de representação demográfica. É de representação moral. E que o aumento que o país clama hoje não é no número de deputados, mas no número de compromissos reais com a justiça social, a responsabilidade fiscal e a ética pública. Coisa rara de se ver nos corredores de Brasília.